3.7.11

O Corpo II

Fosse eu rainha desse teu destroço
Alma poderosa e pujante
Dona de tudo o que em ti corre
E de tudo o que em ti morre.

Fosse eu senhora do teu canastro
Soberana majestade da tua podridão
Trucidaria tua alma
Crucificaria teu coração
Fazia das tuas veias meus jardins
E dos teus ossos minha perdição.

Brados meus ecoariam no teu corpo
Só eu moraria em tal deleite
Consumias-te da minha alvura insalubre
E faço-te meu sem que ninguém suspeite
Corpos teus, suspiros meus
Teu sangue é seiva de Deus.

Aí cessei, aí fiquei, aí expirei.

24.4.11

Wither

Swallowed up in the dark in a corner decorated with herbs and rotten branches and dissected lean of the dead sun, my body lies, writing down our wounds, our dreams, our secrets. My skin burns and my heart freezes up. Barefoot, with legs filled with stripes, I crawl on the sand looking for a crisp alternative to the rope around my neck. Am I so weak and wretched, so miserable and defeatist, so stupid? I broke the mirror. There is no longer reflection. I've killed myself long time ago.

27.2.11

Pudesse eu fazer-te meu, irremediavelmente meu
Na penumbra da negrura, onde nos encanastramos na incerteza
Quando a astenia do meu corpo tomba nos teus ombros
Os teus lóbulos compadecem da minha carcoma
E tu envolves-te em mim, no meu vaticínio
Libas-me as úlceras, aspiras-me as crostas, e tornas-te meu
Irremediavelmente.

23.2.11

O Corpo I

Nascemos para residirmos corpos,
Nunca corações.
Corações só espancam,
Não amam.
Corpos acalentam,
Corpos extasiam,
Corpos persistem.
Brotei para morar nesse corpo,
Para correr nessas veias
E para lacrimejar nessa seiva.
Cessei para putrificar nesses ossos,
Para entorpecer nesse peito,
Para me consumir nesse canastro.
Libando vinho e tropeçando nos teus joelhos,
Baloiço ao timbre dos teus pulmões enfermos.
Rodopio cega,
Tombando para trás,
Lambendo o chão das tuas chagas.
O teu destroço meu sepulcro é.

15.2.11

shadow of a smile.

14.2.11

Dia ebúrneo, sem luz e sem embriaguez, sem melancolias, sem firmamento. Tudo branco, só o teu contorno em tons escarlate se vê.

1.2.11

Sai de casa e bate a porta soltando um gemido rouco e escabroso, enquanto se despede do mundo. Era vadia, vagabunda, cheirava a esperma e a moléstia. Era bela, mas a sua formosura era absorvida pela podridão que brotava dos seus poros, pela oleosidade da pele, e pelo cabelo crespo, rebelde e sem corte. Caminhava sem classe, despreocupada. Era escanzelada, e nos braços viam-se as veias já conspurcadas do álcool e da droga, estavam negras de tanta amargura. Mexia no cabelo como se fosse imprescindível. Ao mesmo tempo que enterrava os dedos no couro cabeludo encardo, ouvia-se o retinir das suas enormes pulseiras no braço direito. Era puta. Deslavada, sebenta. Ninguém a queria, todos lhe cospiam nos pés. Fodida, arruinada. Vivia no sangue da sua cólera, do seu anseio de ser efémera. Estava só, não era amada só fodida. Penetrada por velhos, lambida por imundos. Esta era a vida-morte de Raquel.

24.1.11

Só, só e só. Enfureço por estar só. Só estou, estou só. Vou ficar só, na nossa cama, no meio das nossas mortalhas, percorrendo todo o colchão com o pé, esperando tocar o teu canastro. Está tudo gélido, não há canícula, não há o ardor do teu corpo incandescente. O teu corpo néon deitado do nosso leito. Onde está? Careço-o. Nostalgias do teu corpo. Jornadas no teu ventre, saltando cada costela, até chegar às clavículas. Colidir em teu corpo é cair no amor. Os teus ossos evidentes são o delito, o pecado, o flagelo em figura de coisa. Amar o teu corpo é cessar no teu corpo. Teu corpo, tão eterno e rematado, trilho das almas atormentadas, artéria da minha decessa. Mundo cru, tudo infame; tu pulcro, sublime. Efémera juventude, fugaz mocidade. Agora jamais, jamais.

15.1.11

alguém degolou a nossa inocência. alguém usurpou os sonhos cândidos, sonhos esses onde divagávamos nas mais submersas e inócuas paisagens quiméricas do pensamento humano. campos de decessas, lajes gélidas e cinzentas, gravadas com nomes indecifráveis escritos à mão, flores fenecidas que brotavam podridão, e crianças brincando na orla do passeio engolido pelos braços extensos das árvores. um enorme núcleo de nuvens pálidas e ameaçadoras cobre o céu. alguém degolou a nossa inocência. a nossa juventude evaporou-se, estamos corroídos e derreados. abrimos a garganta da canície e agora caminhamos somente para a morte. alguém degolou a nossa inocência. não seremos mais dois pobres, incongruentes e alegres criaturas, seremos carrancudos, sisudos cadáveres. não habitaremos o dia e a noite, viveremos permanentemente na negrura. alguém degolou a nossa inocência, alguém nos privou do absurdo, das lamúrias supérfluas, da fortuna momentânea. este é o panorama, o tecido traseiro do nosso golpe final. eu aqui, tu aí, no mesmo sítio, no mesmo ardor, no mesmo solo, na mesma cova.




8.12.10

Staring at your dead brains, your grey eyes and your bleeding heart. I became death for loving you. I became blood, dust and bones. no flesh, just my skeleton lying on the lousy floor. I'm a carcass. No colours, no tones, only shadows. I'm in the darkness with you, in the murk kissing you. In 10 years we're gonna overcome the world. In 10 years you'll be the dark lord, and I will worship you even more. Meanwhile I'll be the queen between shadows.

28.11.10

reminding me of my youth, reminding of my suicide, reminding me that i'm old, reminding me the time when i used to adulate you. that was my homicide.

22.11.10

Entre sentenças e clamores afónicos procuro uma sombra. Sou das silhuetas, do funesto, do negrume. Persigo-a, vivo cega por ela, e dentro dela, aperto-a na sombra. Decalco-lhe o contorno. Seduzo-a. Tão pulcra, negra, putrefacta e deplorável. Desde sempre me engodou. Possante e colérica, sempre tão fulcral, competente degoladora das almas, faz-me redigir e bradar. Só não me castiga porque temos um plácito, sou-lhe fidedigna, e escuto as suas mais ignotas e íntimas confissões. Sou sua fiel serva, bajulando-a como uma divindade, uma soberana, dona dos trovadores, dos génios e dos sublimes. Sua majestade que fazeis dos mortos pó do teu tapete. Sou-lhe submissa, morando em todas as casas, golpeando segundo após segundo, aqueles cujo azedume lhe dá o poder. Aqueles a quem ela decreta o destino, o nefasto destino, tão amarguradamente meloso. Hoje morro aqui, abato-me por ela, para estacar com ela. E não é um até já, é mesmo um adeus.

3.11.10

Saboreia o silêncio por mim, visto que eu cessei a fazê-lo.

10.10.10

Com a mão gélida a apertar-me o sono, o bramido rouco a travar-me a palavra, o soco oco a cessar-me o marchar.

11.9.10

Estou de volta à velha casa, mas desta vez as coisas são discrepantes. A tua fronte está suja, a tua cara desfeita, encavacada, imersa em ódio e sanha. Eu visto a vexação suprema. Eu não tenho braços, não tenho músculo, só uma cara ossuda, devorada pela terra, e uns fios de cabelo a lamberem-me o rosto. Vou rojando pela galeria central, macerando reminiscências e ouvindo-as quebrarem-se mesmo debaixo dos meus pés. Clamores agudos, perturbados e irados vão-se soltando. Hoje atordoam-me. Hoje fazem de mim pó. Por hoje sovam-me. Estouram-se-me os ouvidos, esmaga-se-me o cérebro, raspa-se-me o peito, libam-se-me os pulmões. Hoje sou entranha, víscera, tripa. Hoje sim, mortifico-me em nacos. Hoje sou o sustento dos pobres. Hoje fico-me pela avenida fúnebre, onde todos os roucos vagueiam, onde todos os trovadores gotejam vinho, onde os ébrios tremelicam implorando ouvintes. Hoje sou pútrida, mas só hoje. Hoje há pranto, hoje sou escória, hoje sou ceifada. Amanhã não.

2.9.10

Desde aquele dia, desde aquilo, desde de mim, desde de ti. Num ímpeto de avidez alentei o teu roncado. Clamaste para quem ouviu, bradaste palavras bestas e negras de cólera. E eu sentada na minha cadeira, olhando-te com lástima. Gemias que nem um poldro, guinchavas que nem um porco, transudavas que nem um homem. Eu tinha a saia desabrochada, a camisola trespassada, as mãos quase no chão, os sapatos sem lustre, a cara amortecida, o cabelo liso que nem uma tábua e os olhos enfunados, inchados de ti, de nós. Queria aplaudir-te, após toda a tua encenação, todo um “show” de quimeras, de hipérboles e de caprichos. Chumbei-te a boca para não ter de te ouvir ulular. Usurpado pelo desespero, rasgaste-me os collants. Fui jornadeando, para a porta, a porta. Esquivei-me, deixei-te ali a jorrar sangue pelos olhos, ruivos de ira. E tu só soubeste enxovalhar-me, corroer-me, foder-me.

4.8.10

Por entre os galhos quebrados, por entre o aroma a vegetal e a conspurco, vou-te perfilhando, fazendo titilações nas tuas mãos e correndo contra os teus pés. Num feito benevolente, estacamos. Sentei-me no meio das relvas enxovalhadas e pardas e tu, estendeste-te ao meu lado, transpirando que nem um estouvado, vozeando dor e entoando fúria. Era o panorama possível para nos seduzirmos, para nos absorvermos. Enquanto vivias na tua frígida natureza, a minha cabeça baqueava, até ao chão cavo e duro. Fui lacerando aos poucos, para passar inobservada. Fui sorvendo a peçonha, o teu veneno. Tão mordaz, tão provocante, tão cobiçável.

14.7.10

Com a boca cheia de sal, vou-te dizendo para me assolares. Ensopa-me. Faz-me vozear. Vais-me mirando, decompondo cada úlcera, cada crosta, cada arranhão. Vivemos encarcerados, no meio da imundice que aventamos diariamente. Tu soltas o fedor, eu solto a seiva. Tu afrouxas o sémen, eu afrouxo o esturro. Vamos jornadeando no meio da poeira dos defuntos, batendo com os pés nas lajes, e convivendo com a morte cara a cara.